Colatina, 23 de dezembro de 2022

Caros confrades e estudantes passionistas,

Nos relatos bíblicos da Paixão do Senhor, durante o interrogatório de Jesus diante do racionalista juiz romano, Pilatos questiona de forma curiosa qual a proveniência de Jesus. A resposta do Mestre é clara: “Meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36). O que deixa ainda mais incomodado o orador romano é a afirmação de Jesus não só de onde é, mas também o “para quê”: “Eu nasci e vim ao mundo para isto, para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade” (Jo 18,37).

É certo que tudo isso no raciocínio de Pilatos poderia parecer um desvario, mas ao mesmo tempo foi capaz de subtrair sua paz de espírito porque se tratava de alguém diferente de tantos outros julgados, absolvidos e condenados. Diferente de todos os outros que conheciam e que se opunham à dominação romana... São João relata que Felipe disse a Natanael: “Encontramos aquele sobre quem escreveram Moisés, na Lei, e os profetas: Jesus, filho de José de Nazaré”. Notória é a resposta de Natanael: “De Nazaré pode vir alguma coisa boa”? (Conf. Jo 1 45-46).

Num outro hiato bíblico, quando Jesus restitui a visão a um cego, afirmam “Sabemos que Deus falou a Moisés, mas esse Jesus não sabemos de onde é” (Jo 9,29). Também em Nazaré Jesus é questionado sobre sua origem, sua sabedoria, os milagres realizados por suas mãos. 

No mistério natalino encontramos uma esplêndida e intrigante resposta: “gerado, não criado”. Como profetizou o Batista: “Depois de mim vem alguém que é mais poderoso do que eu” (Mc 1,7). Se o Imperador Romano Augusto, muitos anos antes do nascimento de Jesus, reinou com um lema (“Paz sobre a terra”) que se tornou inclusive um "monumento à paz‟, São Lucas nos precisa diversamente que a paz vem do Menino de Nazaré, nascido em Belém e não dos acordos imperiais. São Lucas, na sua inteligente narrativa insiste três vezes quase com as mesmas palavras apontando para “o recém-nascido envolto em faixas, deitado numa manjedoura” (Conf. Lc 2). Aqui encontramos também pistas para nossa meditação passiológica.

São Paulo da Cruz já meditava a Paixão do Senhor no mistério da Encarnação. Sendo Deus onipotente foi uma primeira paixão seu “debruçar” e revestir-se da natureza por ele criada. Tanto é que nossos conventos são ornados com a bela imagem do Menino Jesus deitado sobre a cruz. O aceno sobre o fato de Jesus Menino estar envolto em faixas nos remete diretamente à sua paixão e túmulo.

Também são notórias a localização e circunstâncias do nascimento. Miquéias profetizou: “Mas tu, Belém de Éfrata, pequenina entre as aldeias de Judá, de ti é que sairá para mim aquele que há de ser o governante de Israel. Sua origem é antiga, demépocas remotas” (Mq 5,1)."Belém‟ significa "casa do pão‟. É em Belém que nasce o verdadeiro Pão da Vida e que foi colocado num comedouro (cocho, alimentador, manjedoura).

Quero amanhã, celebrando a Santa Eucaristia, na liturgia em que as trevas das incertezas são quebradas pelo grito de Isaías (“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” Is 9,2), adentrar esse mistério em comunhão com todos vocês, meus irmãos. Rezando por nossa Província me proponho a Deus e a vós como um instrumento de comunhão e também de oblação. Peço a todos a comunhão com a Igreja, comigo, com o conselho provincial e com todos os religiosos e estudantes passionistas. Peço ainda que façam chegar, em todas as missas do Natal, a todo povo alcançado por nossos ministérios e por nossa espiritualidade minha saudação natalina e minhas preces e súplicas.

Por fim, aproveito a ocasião para reiterar os votos de muita saúde, de boas festas, de boas férias para os que agora o farão, com muita estima, comunhão, amizade e respeito.

Colatina, 23 de dezembro de 2022. Bicentenário da morte de Santo Antônio de Sant'Anna Galvão.

Pe. Henrique Evangelista de Oliveira, C.P.
Superior provincial