Belo Horizonte, 22 de dezembro de 2015

Caros Irmãos,

Iniciamos o Ano da Misericórdia (08 de dezembro) e estamos para encerrar o Ano da Vida Consagrada (02 de fevereiro). Dois eventos da Igreja que nos desafiam como passionistas. Como estamos vivendo e testemunhando a palavra do papa Francisco: “A Cruz de Jesus demonstra toda a força do mal, mas também toda a omnipotência da misericórdia de Deus”?

Acabei de ler um livrinho de Giuseppe Forlai (Folli con Cristo - Le sfide della vita consacrata al mondo contemporaneo, San Paolo, 2015) [Loucos com Cristo - Os desafios da vida consagrada ao mundo contemporâneo]. Quero partilhar com vocês algumas suas reflexões.

Ser ‘louco com Cristo’ e não apenas ‘ser louco pelo Cristo’. A missão de Jesus, seu modo de viver, de falar, de agir, foram percebidos como uma loucura.

Duas passagens onde a loucura de Jesus aparece de uma maneira extraordinária. O primeiro o encontramos na Carta do apóstolo Paulo aos Filipenses: Cristo despojou-se (2,7). Neste verbo, o Apóstolo sintetiza toda a história do Jesus histórico. Ele não só se tornou um servo, mas também desistiu da dignidade residual que os servos tinham, morrendo como um bandido.

O Novo Testamento nos ajuda a integrar a visão ontológica da Encarnação com aquela mais existencial e religiosa. Não importa, de fato, só saber que Deus se fez homem; importa também saber que tipo de homem se fez. É significativo o modo diferente e complementar com o qual João e Paulo descrevem o evento da encarnação. Para João, consiste no fato de que o Verbo, que era Deus, se fez carne (cf. Jo 1,1-14); para Paulo, consiste no fato de que “Cristo, sendo de natureza divina, assumiu a forma de servo e se humilhou a si mesmo fazendo-se obediente até a morte” (cf. Fl 2,5 ss.). Para João, o Verbo, sendo Deus, se fez homem; para Paulo “Cristo, sendo rico, se fez pobre”.
Nossa vocação de consagrados é uma réplica, no tempo, do ‘despojar-se’ de Jesus (VC 29).

O ápice da loucura do ensinamento de Jesus está contido no ‘cofrinho’ das bem-aventuranças, que T. Alberione gostava de chamar “manifesto das verdades paradoxais e inauditas ao homem”. A bem-aventurança não está no poder e no dinheiro, mas acreditar na bondade de Deus. Deus é um Pai bom, mesmo quando Ele parece esconder-se, deixando-nos indefesos.
Papel dos Consagrados é manter viva na Igreja a lógica das bem-aventuranças (VC, 33). É por isso que fomos escolhidos.

O Consagrado existe porque Deus estava procurando alguém para amar sem outros concorrentes. Ele é “o discípulo que Jesus amava” (Jo 13,23) e não apenas “o discípulo que amava Jesus”. E isso bastaria para tornar nossa vida feliz!

O Consagrado, amado por Deus, é chamado para tornar mais bonita a vida dos homens e mulheres do nosso tempo. É como a fotografia de família na mesa do nosso escritório. Na mesa temos tantas coisas indispensáveis para o nosso trabalho: computador, celular, canetas etc. A fotografia não é necessária para o trabalho, mas ela, com certeza, torna mais prazerosa a nossa jornada. Deus se alegra quando, olhando para o Consagrado, reconhece nele o estilo de vida de seu Filho encarnado.

“O futuro da vida consagrada depende sobretudo da fé na beleza de um Evangelho vivido sine glossa. Pela história sabemos que a primeira forma conhecida de doação ao Único necessário foi inaugurada por Antonio abade, pai dos consagrados de todos os tempos. Ele, como sabemos, escutando o evangelho do jovem rico (Mt 19,16-22) decidiu deixar tudo e iniciar um tipo de vida nova. Este particular nos ensina que a vida consagrada é originada pela Palavra de Deus”. Assim foi também com São Francisco de Assis. O Evangelho, quando é realmente ouvido e colocado em prática, gera a vida consagrada.

Na cultura do provisório, do relativo, do hedonismo, do individualismo, o papa Francisco nos pede que sejamos homens revolucionários, homens que vão contra a corrente, que voltemos às origens. Voltar às origens significa procurar viver o estilo de vida dos Padres da Vida Consagrada. Para ele a Vida Consagrada significava uma fuga mundi, um distanciamento das lógicas do mundo; e uma fuga ecclesiae, de distancia do mundo eclesiástico do tempo, em que o clero estava à busca somente de poder e de honra.

Nessas duas ‘fugas’ eu vejo a profecia da nossa consagração, fora e dentro da Igreja. Só Jesus e Sua graça nos basta. Não precisamos de poder e de títulos para sermos pessoas realizadas e felizes.
Eu acredito que a Vida Consagrada - como escreveu von Balthasar - é, ainda hoje, o motor da renovação da Igreja, como sempre foi na história.

Que o Menino Jesus nos dê a alegria do coração para sermos pessoas de paz. É a paz interior que produz boa convivência nas comunidades e na Província. É isso que nos lembra a Imitação de Cristo: “O homem pacífico é mais útil do que o letrado. O homem dominado pelas paixões, até o bem converte em mal e acredita facilmente no mal. O homem bom e pacífico tudo converte em bem. Quem está em boa paz não suspeita mal de ninguém. Mas quem é descontente e inquieto, com diversas suspeitas se atormenta: não tem sossego nem deixa os outros sossegar. Diz muitas vezes o que não devia; e deixa de fazer o que mais lhe conviria” (Lib. 2, cap. 2-3 - Séc. XV).

“Tu desces das estrelas ó Rei do céu,
e vens em uma gruta no frio, e no gelo...
A ti que sois do mundo o Criador,
faltam os pães, o fogo, oh meu Senhor.
Caro eleito bebezinho, quanta esta pobreza
mais me apaixona, já que te fizeste amor pobre ainda” (S. Afonso Maria de Ligório).

Desejo a cada um de vocês, um Feliz e Santo Natal, acompanhado de Boas Festas! E muita alegria!

Pe. Giovanni Cipriani
Superior provincial