Belo Horizonte, 12 de setembro de 2016

“TESTEMUNHAR A MISERICÓRDIA DIVINA
PARA QUE SEJA EXALTADA A CRUZ DE CRISTO”

Queridos irmãos,

Dia 14 de setembro, Exaltação da santa Cruz. Nome que escolhemos para nossa Província passionista: Província da Exaltação da Santa Cruz (Maio de 2014).

O nome, na linguagem bíblica, expressa a identidade. O nosso primeiro Capítulo provincial motivou a escolha do nome dizendo: queremos “Promover o carisma e a espiritualidade passionista num processo de integração provincial, em vista de uma vida comunitária fraterna, profética e de uma evangelização que opte pelas periferias existenciais ao testemunhar a misericórdia divina para que, assim, seja exaltada a Cruz de Cristo” (Objetivo geral).

Essa é a nossa identidade. Esse é o nosso caminho.

Crucificado sofredor e triunfante: a unidade do mistério pascal

Ao longo do tempo, a arte expressou a dor e a ‘exaltação’ da Cruz de várias formas. Sabemos que na idade paleocristã, no lugar da Cruz eram usados símbolos (o CHI - RHO era o monograma do Cristo).
Para os primeiros cristãos, a cruz era um sinal de vergonha e de repúdio (a pena de morte por crucificação ainda era praticada!). O mesmo São Paulo chamava a cruz de “escândalo e loucura” (1Cor 1,23).

Nesta época, não encontramos nenhuma imagem do Crucificado.

Na época costantiniana, aparecem as primeiras cruzes cristãs. A cruz, sem o Crucificado, é expressão de troféu, é a Cruz vitoriosa.

É a cruz dourada, gloriosa, resplandecente, irradiação de luz. Colocada no centro do firmamento celeste, α (alfa) e ω (ómega). É o triunfo da Cruz, símbolo da vitória sobre a morte.

Após o Concílio de Nicéia (325), com o início da construção e decoração das grandes basílicas romanas aparecem os primeiros retratos (mosaicos) explícitos de Cristo com a cruz na mão. Os mosaicos nos mostram a Cruz como símbolo do triunfo pascal de Cristo.

No início da Idade Média (V séc.), aparece o Crucificado triunfante, o atleta vencedor, o Cristo pascal, vestido com o Colobium: é um Cristo não sofredor ou morto, mas vivo, apresentado como o Senhor. Cristo aparece como o Príncipe da vida, como aquele que vence a morte. Vestido com vestes sacerdotais e com olhos abertos, ele se ergue como um rei vitorioso. É a revelação de Cristo glorioso, o Rei eterno (Ex.: O Crucifixo de São Damião, Assis).
É a maneira de dizer a unidade do mistério pascal.

Com o século XI, inicia a iconografia do Cristo morto, mas sereno, sem nenhum elemento de dramaticidade (Ex.: Os Crucifixos de Cimabue e Giotto).

As características dependem da encomendação: os dominicanos preferiam um Cristo mais impassível, unido à divindade do Pai. Os franciscanos desejavam sublinhar mais a humanidade do Filho e o sofrimento ligado à cruz.

Em seguida, aparece a iconografia do Cristo morto (Patiens), sofredor: retratos fortes, emocionantes e dramáticos. Acentuam-se as feridas, o sangue e a coroa de espinhos. Os afrescos querem emocionar, por isso, desenvolvem o tema do ‘espetáculo’ da crucificação com as multidões, o tormento de Maria Madalena, o choro dos anjos etc.

Na época contemporânea, a arte expressa no Crucificado o drama do mundo e do século: as guerras mundiais, o extermínio nazista, o tema do racismo etc.

A Cruz de Cristo continua erguida no meio de nós

No dia a dia do nosso trabalho pastoral, fazemos experiência, na vida pessoal e na vida do povo, da presença do Cristo sofredor e libertador. É o que está bem afirmado nas nossas Constituições: “Conscientes de que a Paixão de Cristo continua no mundo até Ele voltar em sua Glória, compartilhamos das alegrias e ansiedades da humanidade a caminho para o Pai. Desejamos participar das tribulações dos homens, especialmente dos pobres e abandonados, confortando-os e aliviando-lhes os sofrimentos” (Const. 3).

O papa Francisco, na Via sacra no Coliseu, 25 de março de 2016, lembrou que ainda hoje a “Cruz de Cristo, é símbolo do amor divino e da injustiça humana, ícone do sacrifício supremo por amor e do egoísmo extremo por insensatez”. Cristo continua sendo “sinal de contradição” (Lc 2,34).

“Ó Cruz de Cristo, te vemos erguida nas nossas irmãs e nos nossos irmãos assassinados, queimados vivos..., nos rostos exaustos e assustados das crianças, das mulheres e das pessoas que fogem das guerras e das violências..., nos corações empedernidos daqueles que julgam comodamente os outros, corações prontos a condená-los..., nos ladrões e corruptos..., nos idosos abandonados pelos seus familiares..., nas pessoas com deficiência e nas crianças desnutridas e descartadas pela nossa sociedade egoísta e hipócrita...”.

“Mas também, Te vemos erguida nas pessoas boas e justas que fazem o bem sem procurar aplausos nem a admiração dos outros..., nos ministros fiéis e humildes que se consumam gratuitamente para iluminar a vida dos últimos..., nas famílias que vivem com fidelidade e fecundidade a sua vocação matrimonial..., nos rostos das religiosas e dos consagrados - os bons samaritanos - que abandonam tudo para faixar, no silêncio evangélico, as feridas das pobrezas e da injustiça” (Papa Francisco).

A Cruz de Cristo na vida e na morte do Pe. Paulo Sergio Ribeiro Sabino

A Cruz de Cristo foi presente na vida do Pe. Paulo Sabino, que, como sacerdote, viveu e pregou a o amor e a misericórdia do amor do Pai no Cristo crucificado, expressos, sobretudo, na ‘actio liturgica’. Como passionista, aproximou-se dos crucificados curando suas feridas; como não lembrar sua competência e paixão no trabalho da ‘Obras passionistas’ e dos Projetos sociais?

Dia 26 de agosto de 2016, festa do Beato Domingos da Mãe de Deus, grande missionário passionista e promotor da unidade na Igreja, segundo aniversário do Decreto de fundação da nossa Província da Exaltação da Santa Cruz, recebemos a notícia que ninguém queria receber.
Uma morte tão trágica e violenta. Uma morte que entristeceu a todos.

Por quê? Como pode ser? É a pergunta que ainda está no fundo do nosso coração. Qualquer motivo não justifica a violência e o desrespeito para com a vida! Qualquer motivo não pode ser comparado ao valor da pessoa e ao valor da vida!

Eu não acredito minimamente na primeira versão que o rapaz deu logo que foi preso. O Pe. Paulo não tinha nenhum ‘caso’ com ele. O Pe. Paulo foi assaltado e morto enquanto, terminada uma reunião pastoral, estava indo para o hospital para atender a um doente. Ele é um ‘mártir’ do cumprimento do próprio dever pastoral.

Pe. Paulo Sabino, 39 anos. Mais um religiosos que se foi tão cedo, como tão cedo - na nossa maneira humana de julgar os eventos da vida - se foram o Pe. Edmundo, Dom Mauro e o Pe. Cloves.
A solidariedade que recebemos em Barbacena nos dias que seguiram a morte do Pe. Paulo, é sinal de quanto ele era querido e amado.

“Querido amigo, irmão no sacerdócio e no carisma passionista; companheiro nos trabalhos sociais e na missão: Pe. Paulo Sérgio Sabino... receba nosso muito obrigado por tudo o que você foi: sacerdote zeloso, profissional competente, ser humano atencioso e amigo! Que Deus o acolha na eternidade!” (Pe. R.).

Há dez anos, 14 de setembro de 2006, que vivemos outra experiência de “Exaltação da Santa Cruz”: a morte do saudoso Dom Mauro que, em um trágico acidente automobilístico passou da “Cruz à Luz”. No dia 14 deste ano, o seu corpo será exumado e levado para sua primeira diocese, Janaúba.

Os exemplos desses nossos irmãos nos encoraja no compromisso assumido no dia de nossa profissão religiosa passionista: trabalhar pela construção de um mundo mais humano e fraterno, nos colocar sempre ao lado de quem sofre, lutar para superar todo sinal de morte na certeza de que nosso Deus é o Deus da vida!

O consagrado passionista: sinal de esperança no desespero

Queridos irmãos, celebrando o nome da nossa Província passionista, Exaltação da Santa Cruz, lembremos a nossa identidade de passionista e nossa vocação: chamados, pela misericórdia de Deus, para sermos um farol na noite, um arco-íris após um temporal.
É isso que somos chamados a ser no mundo de hoje, em que a Cruz de Cristo continua a ser sinal de contradição, sinal de violência e sinal de dedicação.

Se, por um lado, hoje, há crise de fé, por outro, há uma grande necessidade de espiritualidade. O homem de hoje está em busca de espiritualidade, porque ele tem sede de Deus, e isto se manifesta de várias formas. A humanidade sabe que não pode viver sem Deus. É o que confessa E. Wiesel, no livro A noite: «Tudo é lícito ao judeu piedoso, só uma coisa é vetada a ele: acreditar que pode viver sem Deus».

Sabemos que a Vida Consagrada, assim como a nossa Congregação no hemisfério norte, está vivendo uma passagem que requer fé e coragem: a diminuição das vocações, o envelhecimento dos membros das comunidades, o encerramento das obras apostólicas, uma série de dificuldades em intra e ad extra.

Apesar destas deficiências, a Vida Consagrada permanece sempre uma luz acesa, e não pode cair no desespero, porque ela é guiada por Cristo.

E a solução é próprio aquela de partir de Cristo, sem considerá-lo um estranho, como fizeram os dois discípulos de Emaús. É Cristo o centro de tudo, é d’Ele que deve partir todo homem desanimado, é d’Ele que deve partir a Vida Consagrada para novos rumos com mais entusiasmo e fé.

A Vida Consagrada é chamada a recuperar esse aspecto que nem sempre aparece bem claro na nossa vida pessoal, comunitária e pastoral: a radicalidade do Evangelho.

O que dá consistência a nossa vocação de consagrados não é o ‘para’ ou o ‘pelo’, mas o “a causa de”. Pois, na raiz da nossa consagração há a pessoa de Jesus e do Evangelho, que dão força para nossa missão.

Será que não podemos dizer também da nossa Província o que o papa Bento dizia: a principal causa da crise de fé hoje é secularização... a VRC sofre de anemia espiritual e de anemia evangélica?
Essa crise leva para outra crise, a anomia: falta de identidade vocacional e carismática, e fragilidade motivacional. Nessa situação cresce o individualismo desagregador e muito mais.

O resultado é que a nossa Província EXALT corre o risco de perder muito de sua originalidade, de sua história bonita, de sua criatividade, de sua função profética, de sua capacidade de sonhar o novo, de aventura audaz do Evangelho, de consciência crítica e, ao mesmo tempo, empática, em uma sociedade caótica e sem rumo.

Vejo que, às vezes, nós somos os primeiros a acreditar pouco em nós mesmos, no nosso futuro. A nossa Província é jovem, talvez, a mais jovem da Congregação: a maioria dos religiosos tem menos de 40. Isso significa entusiasmo, sonhos, novos projetos, novas fronteiras, futuro, esperança.

“O que eu estou fazendo pela Província?”

Eu não acredito nos que falam que o nossa Província não tem futuro. O futuro da Província está ligado ao compromisso de cada um de nós. Ás vezes escuto: “O que a Província está fazendo por mim?”. Eu respondo: a Província já fez muito para mim e para nós. Agora a pergunta é: “O que eu estou fazendo pela Província?”.

Falando de esperança e de futuro, quero me inspirar no filósofo francês Gabriel Marcel - ligado à tradição fenomenológico-existencial -, que estuda as relações entre “eu e tu” para oferecer uma reflexão sobre o futuro da Província.

1) O futuro só é possível no nível de nós, isto é, de amor, do ‘ágape’: ele não pertence a um eu solitário, que se encerra em seus projetos individuais.

2) O futuro está ligado à fidelidade e ao amor. Fidelidade implica compromisso humano, em que somos constantemente chamados a lutar nas provações da vida.

3) O futuro é inseparável de uma experiência de comunhão, e, ao mesmo tempo, da oração como força que garante esta comunhão.

Quero concluir com as palavras que o Papa Francisco falou aos religiosos: “Eu queria dizer-lhes uma palavra e a palavra é alegria”, “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida toda dos quem se encontram com Jesus. Com Jesus Cristo sempre nasce e renasce a alegria”.

Papa Francisco está convencido de que nós religiosos somos os portadores da alegria e da esperança para as pessoas hoje.

Fraterno abraço a todos.

Pe. Giovanni Cipriani
Superior provincial