Belo Horizonte, 10 de maio de 2017

‘Via pulchritudinis’ (A via da beleza)
A beleza dá sentido à nossa vida e nos torna pessoas maduras e felizes

Queridos irmãos,

Santo Agostinho vê belo, misteriosamente belo, a Jesus na cruz, na qual humanamente não há beleza alguma! (Enarrationes in Psalmos, 44,3).

É o paradoxo da beleza. Como pode a beleza de Jesus confrontar-se com as atrocidades da cruz?
No entanto, na atrocidade inaudita da cruz, em que seu corpo “aparece aos olhos humanos desfigurado e sem beleza, a ponto de obrigar os espectadores a desviar o rosto” (Is 53,2-3), Ele brilha com uma extraordinária beleza.

“Beleza” é uma palavra que na antiguidade expressava um significado fundamental. No mundo grego, kalós significava, ao mesmo tempo, bonito e bom, numa inseparabilidade entre ética e estética. Para o mundo hebraico a palavra tov apontava à beleza estética e à bondade moral.

Assim, nasce um novo conceito de beleza, que passa a ser entendida como plenitude de significado, que revela o amor que se doa sem reservas. É a beleza que expressa a natureza ética da vida, uma vida que si doa. E na vida doada, a beleza se torna processo de humanização.

Essa beleza, em Jesus na cruz, alcança sua dimensão mais profunda: a beleza do amor. É a beleza mesma de Deus, que é ‘beleza infinita’ (Santo Agostinho).

Na cruz, o amor é doado “até o fim” (Jo 13,1). Por isso, no rosto do Cristo crucificado brilha a beleza verdadeira, a beleza do amor não atingido pela sombra do egoísmo.

Fixando o olhar no Crucificado, aprendemos que o amor é a verdadeira beleza da vida. Aprendemos que é da alma bela que parte a beleza do corpo! Aprendemos que a “beleza não está no rosto, a beleza é uma luz no coração” (K. Gibran).

Jesus era belo por dentro, era belo em seus sentimentos, era belo em sua humildade, era belo em sua generosidade, era belo na acolhida das crianças e dos pecadores, era belo em sua total dedicação ao Pai (Giovanni Cipriani, A glória da Cruz, Paulinas, 2017).

Essa beleza de Jesus resplandece também no rosto de tantos religiosos e religiosas. Muitos de nós conhecemos o Pe. Fernandinho. Perguntamo-nos, onde havia mais beleza: no corpo, cansado e suado do Pe. Fernandinho que, com a sua ‘Peppinella’, ia evangelizando os vilarejos de Barra São Francisco e Colatina, e, velhinho, cheio de rugas, nunca se cansava de cuidar das crianças, ou no corpo de uma jovem modelo num desfile de moda?
Ai está o desafio.

A ‘beleza do coração’ atrai sempre, pois é uma beleza humana, profundamente humana e também humanizante, no sentido que promove o humano em sua dignidade e seus valores, na sua verdade mais profunda. Por isso, não se identifica habitualmente com o imediatamente doce e agradável.

É uma beleza que não se reduz simplesmente numa sensação ou numa impressão, ou numa gratificação mental, sem mudar nada ‘de’ e ‘em’ minha vida. Ao contrário, é uma experiência plena, pois me obriga a tomar posição, a fazer uma escolha a partir dela, é uma escolha não delegável a outros.

Quem descobre algo de belo, não pode continuar a viver como antes, sem se deixar provocar e tocar profundamente, como se nada tivesse acontecido em sua própria história. E na medida em que a traduzimos em existência (vida no dia a dia) e em escolhas existenciais e coerentes, iremos descobri-la sempre mais.

Maria é a ‘Tota pulchra’ (toda bela). “Tota pulchra es, Maria. Et macula originalis non est in Te”. Assim ela é apresentada em um dos hinos marianos mais bonitos e mais conhecidos, pelo menos, no Ocidente de antiga tradição cristã.

Maria é ‘tota pulchra’ porque soube dizer e viver o ‘sim’ da doação e manteve-se fiel ao Pai até a cruz de Jesus. Ela nos lembra de que a beleza é sempre o evento de uma doação.

A doação é a única ‘via pulchritudinis’ (via da beleza). Eis porque a Vida Consagrada é uma vida ‘bela’: a exemplo de Cristo na Cruz se trata da vida de doação a Deus e ao povo de Deus. Por isso, é a única beleza que nos torna felizes e sempre mais humanos.

É essa beleza, humana e humanizante, que torna ‘bela’ a Vida Consagrada e a Vida religiosa, vida doada ‘até o fim’. Quanta ‘beleza’ eu vejo na dedicação de tantos religiosos, mesmo na fraqueza humana! A Vida Consagrada é uma vida ‘bela’, pois é uma ‘replica’ de Jesus que se despojou de tudo e assumiu a nossa humanidade. É um reflexo da beleza do Cristo crucificado.

É essa beleza que devemos apresentar aos jovens na pastoral vocacional e na formação: realizar-se e ser feliz na beleza do projeto de Deus, que é beleza absoluta. É belo responder ao chamado de Deus e se doar totalmente a Ele no serviço aos mais pobres e necessitados.

O itinerário de animação vocacional e de formação deve ser um itinerário de busca da beleza, de educação a perceber seus sinais para se sintonizar com a Beleza Absoluta que é Deus.

Um vocacionado (e um jovem em formação) é sempre um jovem ‘tocado pela beleza’; mas não deve ser ‘tocado’ somente pela beleza divina, que atrai a si e fascina como ponto de chegada, mas também pela beleza do caminho de sua busca, de suas etapas, até de suas fatigas, porque é belo buscar, e é feliz aquele que se põe à busca do Senhor. É interessante que no Salmo 104 se diga que a alegria e a beleza estão na busca, e não somente no encontrar o Senhor, como seria mais lógico e espontâneo pensar: “alegre-se o coração dos que buscam o Senhor” (v. 3) (Cf.: A. Cencini, La belleza salvará la Iglesia, Vida Religiosa - Monográfico, 5 / 2016 / Vol. 120, 35-105).

A ‘beleza do coração’ é, no mesmo tempo, exaltante e fadigosa. Não é algo automático ou que se percebe de modo espontâneo, ao contrário, supõe um caminho de purificação e de renuncia a outras belezas inferiores para lograr a capacidade e a sensibilidade humana de percebê-la e gosta-la. Precisamos fazer um caminho ascético. Nada vem sem o nosso esforço, sem luta.

Por isso, é enganosa uma animação vocacional e uma formação que acentuam, em modo unilateral, os aspetos positivos e agradáveis da vocação, como se a beleza do chamado de Deus estivesse unicamente na sua capacidade de satisfazer o humano.

E o formador que acompanha os formandos nesse itinerário deve ser uma pessoa verdadeiramente ‘bela’, que saiba falar da beleza da vida consagrada porque bela é sua vida. Falar como fala um místico ou um contemplativo, um esteta o um artista! Falar com ‘autoridade interior’.

Mi permitam, também, fazer uma reflexão sobre a beleza na liturgia. Após a Semana santa, no grupo ‘Família EXALT’ do WhatsApp, acompanhei a reflexão sobre as belas liturgias, celebradas com belas vestes. Analisei. Quem aprovava e quem desaprovava, tendo em vista que, como sempre, ‘in medio stat virtus’.

Porém, me pergunto: será que são as vestes bonitas que tornam ‘bela’ uma missa? O cardeal Nguyen Van Thuan relata que as missas noturnas, celebradas ocultamente em seus terríveis 13 anos de cativeiro em condições (litúrgicas, ambientais, higiênicas, estéticas, psicológicas...) extremas ou impossíveis, foram “as missas mais bonitas de minha vida”.

Eu acredito que a beleza de uma celebração não está nas belas vestes litúrgica. A beleza de uma celebração está em ir além da aparência, do visível; perceber o mistério que é celebrado... com os olhos do coração.

É banal e enganadora a atitude de quem julga mais ou menos ‘bela’ uma celebração litúrgica a partir da sensação subjetiva experimentada, da ressonância psicológica individual, ou de critérios puramente exteriores e superficiais, teatrais e de efeito, que muito pouco têm a ver com o ‘mistério’, com a ‘Páscoa de Jesus’.

Por isso, perguntas como: “Gostou da missa?”, que tem como resposta: “Eu gosto da missa do padre...!”, soam como se a pessoa estivesse saindo de uma discoteca, de um restaurante ou do cinema.
E onde fica o mistério que é celebrado’?

O nosso Fundador, Paulo da Cruz, estava convencido do que a ‘Eucaristia recebida leva a transformar o cristão em Eucaristia’. É isso que escrevia ao Pe. João de São Rafael: “Quando celebras a missa, tu te alimentas de Jesus, não é verdade? Então, porque é que, depois da missa, tu não deixas que Jesus se alimente de ti, porque não O deixas digerir-te e transformar-Se em ti e, ardendo naquele fogo de amor que arde no seu Divino Coração, não deixas que Ele ti abrase?” (L III, 190).

A todos meu abraço fraterno.

Pe. Giovanni Cipriani
Superior provincial