Belo Horizonte, 12 de setembro de 2017

Exaltação da Santa Cruz:
compartir a dor alheia (dos outros) por amor a Cristo

Dia 14 de setembro, sexta-feira, é a festa da Exaltação da Santa Cruz, nome da nossa Província e aniversário da morte do nosso saudoso irmão Dom Mauro.

A celebração da Exaltação da Santa Cruz é uma das recorrências litúrgicas mais difíceis de compreender (como é difícil entender e aceitar a morte de Dom Mauro por um fatal acidente!), porque aborda a questão do sofrimento, uma situação existencial que sempre levantou questionamentos no coração de todo ser humano.

Tantas são as cruzes que acompanham cada homem e cada mulher durante a vida terrena: algumas delas aparecem de repente como um relâmpago no céu claro, outras parecem furacões que varrem tudo o que encontram, outras ainda, parecem pedregulhos que abafam o gosto da vida.

Para todos, a cruz continua sendo um evento indesejado que gostaríamos de tirar de nossa vida: a perda súbita de um familiar, a perda do emprego, a extrema pobreza daqueles que nem sempre têm uma refeição durante o dia, doenças degenerativas que destroem lentamente o corpo, pessoas que são vítimas da corrupção etc. Diante desses eventos, permanecemos atônitos e sem palavras, porque não há explicação que possa satisfazer o desejo da verdade sobre o significado desses eventos.

Se as lágrimas são a exteriorização natural de um coração dolorido, o silêncio e a participação íntima são a resposta para aqueles que desejam acolher o sofrimento alheio (dos outros). O exemplo a imitar é Maria, no Calvário, ao pé da cruz. Os Evangelhos não relatam as palavras pronunciadas pela Virgem diante de Jesus crucificado. A tradição da Igreja usa a expressão ‘Maria dolorosa’ para expressar o tormento interior e exterior de uma mulher que vê o Filho pendurado no patíbulo com atroz sofrimento.

A maneira de amar de Maria foi ficar perto de Jesus, fixar com seu olhar maternal o rosto agonizante do Filho, ouvir com esperança suas últimas palavras, abraçá-lo com carinho de mãe que aperta com amor seu corpo morto. Todos esses comportamentos exteriores revelam a grande dignidade com que Maria viveu esses momentos dramáticos.

Esta atitude de Maria explica o sentido da Exaltação da Santa Cruz. Exaltar a cruz significa confor-tar as pessoas que sofrem pondo-se à sua escuta e deixando espaço ao silêncio para compartilhar, numa atitude empática, a dor. Significa humilhar-se diante da vontade de Deus que quer salvar todos os homens e as mulheres. Exaltar a Cruz significa se interrogar sobre a própria dor, se reconciliar com a própria história pessoal, sair do próprio orgulho e oferecer o perdão. Significa também não responder a uma ofensa recebida, significa perdoar a quem nos ofendeu, significa acolher aqueles que nos trataram mal e não têm coragem de dar o primeiro passo para se aproximar e pedir perdão, significa abrir o coração a quem está triste e vive sem perspectiva.

A cruz é o instrumento que remodela nossa existência para nos permitir entrar na porta estreita do Paraíso. Nem sempre sabemos como explicar a chegada da cruz, nem sempre aceitamos a cruz com confiança no Senhor; muitas vezes conseguimos compreender os efeitos benéficos que ela produz na nossa vida somente ‘a posteriori’ (posterior).

Quantas pessoas foram remodeladas pela ‘cruz’! O médico italiano Franco Mandelli perdeu a filha, ainda adolescente, de leucemia. Sofreu. O sofrimento mudou sua vida. Iniciou a estudar as causas da leucemia e se tornou o maior perito na cura da leucemia, salvando tantas jovens vidas.

Ao contrário, quando a cruz não é aceita, é desprezado o mesmo Jesus Cristo que subiu sobre ela. Rejeitar a cruz significa exaltar os próprios pensamentos e os próprios projetos, rejeitando a vontade de Deus. Vivemos em um mundo que continuamente exalta a si mesmo e se recusa a aceitar a obra de Deus.

A visão de Deus na cruz derruba nossa maneira de entender a vida: são precisamente aqueles que são alcançados pela cruz do abandono, da miséria, da doença, da exclusão, da corrupção a serem os mais privilegiados aos olhos de Deus, pois Ele se dobra sobre os últimos para ficar perto deles e aliviar-lhes o sofrimento.

A Exaltação da Cruz é, portanto, a exaltação daqueles que sofrem. É o convite a ficar perto daqueles que sofrem, com fé e esperança, como Nossa Senhora das Dores.

Rostos desfigurados dos crucificados de hoje

“Na fronte do pobre está escrito o nome de Jesus”, dizia o nosso Fundador. Celebrar Cristo exaltado na cruz, com o rosto resplandecente de amor, leva-nos a fixar o olhar no rosto desfigurado das pessoas.

Interessante notar como Jesus no Tabor, após ter revelado a ‘beleza’ do Pai, aos discípulos que queriam permanecer na contemplação, Ele os convida a descer a montanha para ‘retornar à missão’, para ver o rosto dos doentes que lá, aos pés da montanha, estavam esperando (Mt 17,14-21).

A festa da Exaltação da Santa Cruz, impele-nos “a cuidar da imagem divina deformada nos rostos de irmãos e irmãs: rostos desfigurados pela fome, rostos desiludidos pelas promessas políticas, rostos humilhados de quem vê desprezada a própria cultura, rostos assustados pela violência quotidiana e indiscriminada, rostos angustiados de menores, rostos de mulheres ofendidas e humilhadas, rostos cansados de migrantes sem um digno acolhimento, rostos de idosos sem as mínimas condições para uma vida digna” (VC 75).

Olhando hoje o nosso Brasil, parece-me tão atual o que os bispos da América Latina e Caribe disseram a Puebla em 1979: “Esta situação de extrema pobreza generalizada adquire, na vida real, feições concretíssimas, nas quais deveríamos reconhecer as feições sofredoras de Cristo, o Senhor, que nos questiona e interpela". Passavam em seguida ao desfile de tais rostos: feições de crianças, golpeadas pela pobreza ainda antes de nascerem...; crianças abandonadas e muitas vezes exploradas de nossas cidades, resultado da pobreza e da desorganização moral da família; feições de jovens, desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade e frustrados, sobretudo nas zonas rurais e urbanas marginalizadas, por falta de oportunidades de capacitação e ocupação; feições de indígenas e, com frequência, também de afro-americanos, que, vivendo segregados e em situações desumanas, podem ser considerados como os mais pobres dentre os pobres; feições de camponeses, que, como grupo social, vivem relegados em quase todo o nosso continente, sem terra, em situação de dependência interna e externa, submetidos a sistemas de comércio que os enganam e os exploram; feições de operários, com frequência mal remunerados, que têm dificuldade de se organizar e defender os próprios direitos; feições de subempregados e desempregados, despedidos pelas duras exigências das crises econômicas e, muitas vezes, de modelos desenvolvimentistas que submetem os trabalhadores e suas famílias a frios cálculos econômicos; feições de marginalizados e amontoados das nossas cidades, sofrendo o duplo impacto da carência dos bens materiais e da ostentação da riqueza de outros setores sociais; feições de anciãos cada dia mais numerosos, frequentemente postos à margem da sociedade do progresso, que prescinde das pessoas que não produzem” (Documento de Puebla, 1979, nn. 32-39).

Pe. Giovanni Cipriani
Superior provincial