Belo Horizonte, 09 de setembro de 2018

Exaltação da Santa Cruz

A Cruz “é chamada de ‘glória de Cristo’, e dita a ‘exaltação de Cristo’. Vemo-la como o cálice desejável e o termo dos sofrimentos que Cristo suportou por nós. Que a cruz seja a glória de Cristo, escuta-o a dizer: ‘Agora, o Filho do homem é glorificado e nele Deus é glorificado e logo o glorificará’ (Jo 13,31-32). E de novo: ‘Glorifica-me tu, Pai, com a glória que tinha junto de ti antes que o mundo existisse’ (Jo 17,5).

E repete: ‘Pai, glorifica teu nome. Desceu então do céu uma voz: Glorifiquei-o e tornarei a glorificar’ (Jo 12,28), indicando aquela glória que então alcançou na cruz. Que ainda a cruz seja a exaltação de Cristo, escuta o que ele próprio diz: ‘Quando eu for exaltado, atrairei então todos a mim’ (Jo 12,32). Bem vês que a cruz é a glória e a exaltação de Cristo” (Dos Sermões de Santo André de Creta, bispo. Oratio 10 in Exaltatione sanctae crucis: PG97,1018-1019. Séc. VIII).

O primeiro Capítulo provincial aprovou o nome da nova Província: Exaltação da Santa Cruz. Não é apenas um título. Para nós é a inspiração para um projeto de vida pessoal e comunitário.

Celebrar a festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de setembro), é fazer plena e grata memória do lenho que nos deu a salvação e a vida. Para muitos a cruz era sinal de condenação e escândalo, considerada a maior das maiores humilhações; para os cristãos ela se tornou o altar do sacrifício único e da salvação.

Nós passionistas, e sobretudo nós da Província da ‘Exaltação da Santa Cruz’, devemos nos encher de santo afeto pelo Crucificado, porque somente os amantes do Crucificado podem festejar a grande festa da Cruz.

O nosso fundador, São Paulo da Cruz, ensina como celebrar a festa da Exaltação da Santa Cruz: “É preciso permanecer na cruz com profunda tranquilidade e paz de espírito, fazendo nascer em nós a humildade, o silêncio, a paciência e a caridade. Ó Cruz tão bela e admirável, que gera para nós o fruto mais saboroso que existe neste mundo, que alimenta a nossa fé e garante nossa alegria. Salve a Cruz, nossa única esperança!”

De fato, “a Cruz é o instrumento para levantar aqueles que caem, o apoio para os que mantêm em pé, o bastão dos débeis, o guia dos que se extraviam, a meta dos que avançam, a saúde da alma e do corpo. Afugenta todos os males, acolhe todos os bens, é a morte do pecado, a semente da ressurreição, a árvore da vida eterna” (São João Damasceno).

O caminho para a santidade passa pela Cruz. “Levando com Cristo nossas cruzes e dificuldades diárias, aprendemos com Ele a capacidade de entender e aceitar a vontade de Deus ... O caminho para a santidade passa pela cruz. Nesta perspectiva, devemos olhar para todo sofrimento: doença, injustiça, pobreza e fracassos. Para nós, a Cruz é uma fonte de purificação, de vida e força no espírito ... Queridos doentes, encontrem consolo na cruz do Senhor Jesus, que continua a sua obra de redenção na vida de cada homem ... Queridos casais, mantenham um relacionamento constante com Cristo Crucificado, para que o seu amor seja cada vez mais verdadeiro, fecundo e duradouro” (Papa Francisco, Audiência geral, 13 de setembro de 2017).

A fragilidade humana de Cristo na cruz

Jesus ‘exaltado na cruz’ revela também a fragilidade humana. Ele, na cruz vive o que é próprio da condição humana: a fragilidade. O homem se caracteriza pela fragilidade. E Cristo na cruz é o exemplo mais brilhante da fragilidade humana.

Não podemos dizer que Jesus de Nazareth foi um homem poderoso. Podemos dizê-lo com base nos princípios da fé, mas como homem não. Na cruz ele sentiu toda sua fragilidade até gritar: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mt 27,46); pediu uma bebida: “Tenho sede” (Jo 19,28). Toda a grande experiência da cruz mostra a fragilidade do homem Cristo.

A fragilidade humana: riqueza para uma comunidade

É a partir da ‘fragilidade’ que devemos viver o caminho da nossa Província. Os três Vicariatos se juntaram não porque um era mais forte do que os outros e queria dominá-los; ao contrário, eles estavam experimentando a própria fragilidade, sentiam que não podiam continuar caminhando sozinhos, e se juntaram para serem mais ‘fortes’. E hoje a nossa união nos faz uma Província ‘forte’, uma Província que tem entusiasmo, projetos, sonhos, abertura missionária.

A missão popular que foi realizada em Governador Valadares – MG, de 17 a 26 de agosto passado, manifesta essa nova realidade. Ela foi um marco bonito e um ultimato à inspiração missionária da Memoria Passionis. Penso que não podíamos iniciar de maneira melhor a caminhada do segundo Capítulo provincial. Agradeço a todos os que participaram e ao povo que nos acolheu com fé e carinho.

A fragilidade é a nossa condição humana

O poeta italiano Giuseppe Ungaretti, na poesia Pietà, assim define o homem: “Attaccato sul vuoto al suo filo di ragno” (Agarrado no vazio ao seu fio de aranha)". Palavras que expressam a condição humana em sua crua realidade, a ‘fragilidade’.

O psiquiatra italiano Vitorino Andreoli, analisando a sociedade de hoje, afirma que precisamos de um novo humanismo. E o ponto central do novo humanismo é a fragilidade. Fragilidade que não é fraqueza. Há uma fragilidade que é própria da natureza das coisas. Um belo vaso de vidro de Murano ou um cristal da Boêmia, com paredes muito finas, com formas e cores extraordinárias, eles são frágeis. Mas é uma fragilidade que está ligada à sua beleza, à sua singularidade.

A condição humana é caracterizada pela fragilidade. Somos ‘seres’ frágeis. Frágil significa que sentimos a sensação do limite, a sensação do mistério. De fato, sabemos pouco sobre nós mesmos, sobre nosso corpo, sobre nossa psique e, embora a ciência tem dado muitos avanços, diante de nós continua sempre o mistério. Basta pensar no mistério da morte!

É esta fragilidade, condição da existência humana, que devemos colocar no centro das relações humanas e, para nós, religiosos, no centro de nossas comunidades.

Devemos ter cuidado para distinguir a fragilidade da fraqueza. A fragilidade se contrapõe à fraqueza. A fraqueza é a contrapartida do poder. Fraqueza é falta de poder. Poder como verbo: ‘Eu faço porque posso’, ‘eu posso, então faço’. Faço não porque preciso, mas apenas para demonstrar minha ‘força social’, o poder que tenho para dominar o outro, para condicioná-lo, para dizer que ele depende de mim. O ‘poder’ precisa do outro para dominá-lo. A fraqueza precisa do outro para viver.

‘Poder’ não é apenas o dos políticos. Hoje há pessoas que fundam toda a sua vida no ‘poder’ da beleza (e os dentistas e cirurgiões plásticos se enriquecem!), do dinheiro etc. Um ‘poder’ que pode ser perdido em um momento. E então chega a depressão!

‘Poder é também o dos padres e seminaristas, mais preocupados com as formas e com os paramentos do que com o Mistério que estão celebrando.

‘Poder’ poderia ser também o do religioso que se formou apenas para ser pároco, e no dia em que perde o título, não sabe mais o que fazer. Por isso, na formação, devemos evitar de criar figuras que ‘dominam’, porque no dia em que se perde o ‘poder’, a pessoa não sabe mais viver, se sentem vitimizadas e perseguidas.

O ‘poder’ manifesta uma crise existencial. É o sinal de que não existem mais pontos de referência. Z. Bauman diria que vivemos em uma ‘sociedade líquida’, em uma sociedade sem valores, em uma sociedade onde cada um tenta dominar o outro.

O ‘poder’ é uma doença social grave, que alguns pensam em curá-la procurando ter mais poder. Basta pensar nos ‘sonhos’ de alguns padres, inclusive seminaristas e religiosos!

A fragilidade, ao contrário, não é uma doença. Ela é a força para uma maneira nova de viver. Ela é o elemento que define e caracteriza o homem, que sente os limites de sua humanidade, como a morte. O homem sabe que ele é frágil por natureza. Frágil é o pai que precisa do filho, o filho que precisa do pai. Não o pai que quer dominar filho e este que se rebela para não ser dominado.

Na fragilidade há grande compreensão, pois, minha fragilidade encontra força na fragilidade do outro.

A fragilidade nasce do conhecimento da condição humana e do próprio ‘eu’. A fraqueza nasce da comparação com o outro. O outro é ‘mais’ do que eu, e então começa a luta, a inveja, a calúnia, a fofoca para dominá-lo, para destruí-lo. Na fraqueza há a luta pelo sucesso. E quando eu não consigo, então, não aceito a derrota, ‘jogo a toalha’... e começa a depressão que pode chegar até o suicídio.

A fragilidade é o ponto central do amor. Duas pessoas se amam para dar e receber força, sabendo que elas são frágeis e uma recebe força da outra. Acontece um tipo de fusão. Como na família, na comunidade: os componentes, isoladamente, são frágeis, mas juntos eles se tornam mais fortes.

Por isso, a fragilidade é o pré-requisito para mudar as relações humanas: se eu sou frágil, se preciso do outro, então vou procurar o outro, não vou fugir do outro, não tenho medo do outro, não me isolo; ao contrário, me aproximo do outro, o procuro, porque preciso dele. Desta forma, a proximidade torna-se a necessidade fundamental da pessoa.

Andreoli teorizou o conceito de fragilidade como condição humana, no livro O homem de vidro: a força da fragilidade (Rizzoli, 2008). “Um tempo me ensinaram a esconder as fragilidades, a não mostrar os defeitos, o que impediriam de mostrar meus valores e me fazer estimar. Agora quero falar da minha fragilidade, pois aprendi a não mascará-la, convencido de que ela é uma força que me aju-da a viver melhor”.

A fragilidade leva para a ‘aproximação

Precisamos partir da fragilidade se quisermos criar laços fortes, comunidades alegres e sentimento de pertença. O religioso que sabe que é frágil precisa do irmão de comunidade, precisa dele para sua própria fragilidade. Assim nas comunidades haverá uma fragilidade que encontra força em outras fragilidades. Tudo isso é fundamental para a vida de uma comunidade religiosa.

O encontro de duas fragilidades cria proximidade e dá vida à comunidade. Nós religiosos estamos nos arriscando a perder o sentimento de proximidade, uma situação agravada pela TV no quarto (quartos que, às vezes, parecem ‘pequenos apartamentos’), pela digital life (celular etc.), em detrimento da human life.

Quando eu, colocando-me diante da minha fragilidade, vejo que preciso da comunidade, então não falo que “mea maxima pænitentia vita communis” (“a minha máxima penitência é a vida comum”) (São João Berckmans, XVII), a tal ponto que sou tentado a abandonar a vida comunitária.

Se preciso do irmão, não digo que o irmão é um ‘problema’ ou que ele é ‘um caso difícil’. O irmão, com suas limitações, é uma pessoa necessária para minha vida, assim como eu sou necessário para ele.

A comunidade não cresce quando há religiosos que querem mostrar sua força, que querem dominar os outros, e hoje há formas sutis de ‘poder’ e de dominação! Nem quando há religiosos que tentam continuamente esconder suas fraquezas. A fragilidade não é uma doença; ela é a verdadeira força e riqueza para uma comunidade religiosa que quer viver a novidade do Evangelho. Uma força ‘natural’ que leva a se aproximar, a procurar ajuda. Jesus na cruz pediu ajuda, “tenho sede” (Jo 19,28).

A fragilidade vista no sentido negativo, leva ao isolamento e até à depressão. Leva ao medo de encontrar o outro, ao medo de se colocar ‘nu’ diante dele, e ser visto como realmente se é, medo de ser julgado e condenado.

O sentimento negativo da fragilidade impede relações de proximidade, cria um mundo de ‘sóis’ e pode levar ao pessimismo. Há pessoas que veem tudo negativo. São ‘pessimistas por natureza’. A estas queria dizer: se não conseguem ser otimistas, sejam pelo menos ‘pessimistas ativas’!

Na formação devemos educar a aceitar a fragilidade, os limites como riqueza. Ajudar a fazer uma autoanálise: ‘quem eu sou?’. Educar a conhecer e aceitar a história pessoal, uma história que é ‘sagrada’, pode não ser a grande história dos poderosos, mas é a ‘minha história’. Conhecer e aceitar as ‘feridas’ da história pessoal, para que elas se tornem preciosas ‘pérolas’ para mim e para os irmãos.

Mostrar a própria fragilidade não o ‘poder’, a força. Diante de um irmão que diz temer a morte, ter medo de suas limitações, eu não lhe digo: “Ah! Eu sou forte... Eu não tenho medo...”. Não. Digo: “Eu também tenho medo, eu também tenho limites”. É uma troca de fragilidade. É belo ver uma pessoa frágil pedindo ajuda a outra pessoa frágil!

Como nos educar à fragilidade? Começando a não olhar para os poderosos, para aqueles que ‘contam’ na sociedade, mas para os ‘ninguém’, para as pessoas que existem, mas é como se não estivessem. São pessoas respeitáveis. São pessoas que não dedicaram suas vidas a escalar as montanhas do poder, talvez com corrupção e exploração. São pessoas que não contam na sociedade. Mas são pessoas que escondem os grandes tesouros revelados por Deus (Mt 11,25).

Na vida das comunidades precisamos partir da fragilidade. O modelo de comunidade que se cons-trói sobre a fragilidade é o de uma orquestra, onde todos devem saber tocar bem um instrumento, mas isso não é suficiente. Cada um dos músicos deve estar em sintonia com os outros, caso contrá-rio, não nasce uma melodia, uma Ópera, como a de Verdi, de Mozart ou de outros grandes músicos.
Desejo que nossas comunidades passionistas, a partir dos dons e da fragilidade de cada um, saibam produzir sinfonias maravilhosas, mais lindas do que as de Beethoven e de Schubert.

Pe. Giovanni Cipriani
Superior provincial